Rafael Galvão

Um pouco de nada, e nada de muito importante.

domingo, março 07, 2010

É.

Eu não esqueci. E não custa manter o endereço vivo. Sabe-se lá quando se vai precisar de algo assim.

sexta-feira, junho 20, 2008

Update

E eu nem lebrava mais que tinha esse blog. Que coisa estranha.

terça-feira, março 09, 2004

The End

Este feed RSS acabou. O endereço agora é http://www.rafael.galvao.org.

segunda-feira, março 08, 2004

8 de março

Comemore o Dia Internacional da Mulher.

Coma 3 de uma vez só.

Num domingo qualquer

Gloriosamente, um domingo sem nada para fazer.

E então decido fazer algo inusitado: vou no Quizilla e faço todos os testes interessantes que há por lá.

O resultado é, para dizer o mínimo, tétrico:


What's the use of getting sober

Alcohoroscopes - what do the stars say about your drinking style
Pisces Drinking style:
If you're a Pisces, you've probably already heard that you share a sign -- and an addictive personality -- with Liz Taylor, Liza Minelli and Kurt Cobain. Not only do Pisces like to lose themselves in the dreamy, out-there feeling that only hooch can give, but they build up a mighty tolerance fast. Who needs an expensive date like that? On the other hand, they're fabulously enchanting partners, whether in conversation or in crime. With the right Pisces, you can start out sharing a pitcher of margaritas and wind up in bed together for days. The phrase "addictive personality" can be read two ways, you know.


Eu acredito em astrologia, em Papai Noel e no Waldomiro.

Mas vou começar a derrubar garrafas de genebra, só pra fazer a segunda parte disso se tornar verdade.


Forjado a ferro e fogo

Which of the 5 Chinese Elements are you?
Metal
You are the chinese element of Metal. People who are under the element of Metal are organized, discriminating and tidy. Metal, you are a trigger, and also very controlling and hate being wrong. The color of metal is white and your symbol is the tiger. Autumn is the season in which metal shines, and it's months are July/August. Your weather condition is clear. Metal is the direction of west, and your day is Friday, while your planet is Venus. Animals under your element are usually furred. People under you are Tibetan. Your sense is smell, your taste is acrid/spicy, your sound is lamenting and your virtue is righteousness. Your organ are the lungs. You were created by Earth and control Wood.

Eu gosto é de chuva. Mas como gostei do ideograma, vou fingir que isso aí é verdade.


O Ringo Starr? Não, foi Paul McCartney no correio

Which Beatle are you?
John Lennon
JOHN LENNON. You rock, man. You're my personal fave, so congrats to ya! You were the other lead singer and play guitar and hermonica. You like parties, profanity, weed, cats, Oriental women, peace, and English tea. You are dead, which is a pretty big bummer, but everyone still loves you and plays your song

Massa. Mas meu beatle preferido é Paul McCartney.


Em busca de uma alma caridosa

Are you ready to have a boyfriend/girlfriend?
READY FOR LOVE: You're sensitive but no pushover, active but not manic. In short, you're a great girl/guy who's ready for a relationship. If you're not already involved with someone, it's only because you want a guy/girl who's worthy of your love---you just haven't met him/her yet. That's cool. You've got plenty of otherinterests to keep you busy. When you do meet ''Mr. Great/Miss. Great,'' chances are you won't abandon all the other important stuff in your life for romance. In fact, your independance and spirit will be part of what attracts him/her---and keeps him/her. Would YOUPLEASE rate my quiz? YOU surely don't have to, but i'd apreciate it more than YOU could imagine if YOU would! Thanks! Peace out yo'!

Olha só, eu sou legal. Favor avisar a Zeta-Jones, a Nicole Kidman e a Isabel Fillardis.


O meu grau de maluquez

Where do you belong?
You belong to the world of knowledge-seekers
You belong somewhere out in the world, exploring and learning and spreading the knowledge that you find. When you love, that love will join you in your quest and believe as you do in a world of spiritual energy that is stronger than anything humanity could normally even conceive, although you may be able to. Council those you encounter, give them your wisdom, and stay true to yourself.

Isso é de comer?


Matar ou correr

How would you murder?
shoot
Don't get blood splatters on you when you shoot your victim. Your methods are a bit uncouth but your finesse and sense of style is impeccable. With a bit of guidance you could live among us in the world of vampires.

Ahn... Isso quer dizer que eu sou, tipo assim, meio... meio mau? Não gostei.


Esquisito, eu?

What kind of dark person are you?
DarkMagic
Dark magician. You love the dark because of it's beauty and just the life that no-one else sees. Mysterious, calm, quiet... But that doesn't mean you're not friendly!

Nossa, até como esquisito eu sou legal. Só não sou cool porque no cool dói.


Onde as coisas começam a desandar

What force is your soul?
Water
You are guided by water. You are generally calm and peaceful, but you can be very destructive without even realizing it.

Poxa, eu já estava achando que era legal, um sujeito maneiro. Aí lá vem esse sacana esculhambar comigo. Destrutivo é a mãe.


Além de dinheiro...

What Do You Truly Desire?
DesireNoneCrazy
Nothing. You truly desire nothing. You're just empty and creepy. Leave now.

Tá vendo? Lá vem a esculhambação. Eu vou fazer esses testes na maior boa vontade e o que recebo em troca? Agressão gratuita.


E as coisas voltam ao eixo

What Type of Soul Do You Have ?
Artistic
You are naturally born with a gift, whether it be poetry, writing or song. You love beauty and creativity, and usually are highly intelligent. Others view you as mysterious and dreamy, yet also bold since you hold firm in your beliefs.

Cruzes. Esse sou eu? Eu voltei a ser legal, o amigão da casa do lado? Os testes estão começando a ficar interessantes de novo.


Ah, se a Arósio visse isso...

The Ultimate Personality Test
HASH(0x895b1ac)
Seer

Desculpe, mas eu tenho miopia e astigmatismo. Eu não é vejo nada.


Ainda bem que não falamos de sacanagem

What sign of affection are you?
cuddle and a kiss
Cuddle and a kiss on the forehead - you like to be close to your special someone and feel warm, comfortable, and needed.

Se alguém disser que não sou isso eu quebro de porrada. Juro.


Ih, falamos

What's your sexual appeal?
pervert
Pervert

Foi engano. Esse não sou eu. Mas, olha, essas duas orelhudinhas dos peitão aí são interessantes...


Só porque porque não são lindos como eu

Which personality disorder do you have
HASH(0x8936788)
Narcissistic

Isso se eu morrer, né, mané?


Bem aventurados os tolos, porque deles será o reino dos Céus

Which book of the Bible are you?
You are Proverbs
You are Proverbs.

A Igreja Rafaélica de Todos os Tostões agradece a preferência. Mas eu preferia, sinceramente, ser o Cântico dos Cânticos.


O fim do sonho

What emotion dominates you?
undecided
Why are you taking this quiz you obviously don't have feelings?! I am just kidding, you just are either a) a really horny person, or b) you just a little bit of everything. So to B good for you, and A have a chat with someone who got anger..he...he.

Ô vida. Grande escolha eu tenho agora: ser um seco de carteirinha, daqueles que não conseguem se controlar quando vêm uma nesga de bunda, por mais crateras de celulite que tenham, ou simplesmente ser indeciso. Não sei o que faço. E que negócio é esses de dizer que não tenho sentimentos? Eu tenho, sim. E no momento, sinto profunda vontade de enforcar o sujeito que escreveu isso.


Sono

Which of the Greek Gods are you?
Morpheus
Morpheus

Podia ser pior. Eu podia ser Hefaístos.

sábado, março 06, 2004

O primeiro mártir da Brigada Humphrey Bogart

A Brigada Humphrey Bogart, destacamento revolucionário que luta pela liberdade individual de desenvolver um enfisema, tem o seu primeiro mártir.

Um canadense de 73 anos foi condenado a 1 ano e 8 meses de prisão, em uma prisão estadual onde é proibido fumar. Em vez disso, ele preferiu cumprir uma pena de 2 anos para ser enviado a uma penitenciária federal, onde poderá fumar seu maço por dia.

É mais um exemplo de martírio e de perseguição. Tecnicamente, Angelo Foti está cumprindo 4 meses de prisão pelo crime de fumar.

Que Angelo Foti não se preocupe. Sua memória será honrada. Ao acendermos nossos cigarros, nossos charutos e nossos cachimbos, vamos reverenciar a memória deste grande homem, o primeiro mártir em um mundo restritivo e cerceador da liberdade.

O estranho caso do alemão tarado

Há, definitivamente, poucas pessoas que eu gostaria de conhecer no mundo.

Mas provavelmente gostaria de conhecer este alemão.

Por inclemência do sistema legal alemão, que não entende as necessidades básicas do seres humanos, o desempregado perdeu uma ação em que pedia ao Estado que lhe fornecesse livre acesso a pornografia e entradas grátis em bordéis. A alegação: sua mulher está na Tailândia e a ele tem, digamos, necessidades.

O Estado alega que o serviço social não tem a obrigação de satisfazer os apetites sexuais desse sujeito.

Mundo injusto, este, em que uns comem a Giselle Bündchen e outros não podem sequer ir ao puteiro da esquina.

A balela do diploma dos jornalistas

Quando escrevia em jornal, aí pelos 17 anos, eu obviamente não era formado. Só escrevia porque qualquer cão sem dono pode escrever uma coluna. E diagramar (au, au, Tata...). E fotografar. Se eu fazia outras coisas não documentadas é porque aquele povo era contraventor. Não era culpa minha. Os safados eram eles.

Na época, eu era absolutamente contrário à exigência do diploma. Não era a posição do sindicato, claro, nem da maioria dos jornalistas. O único jornal que se pronunciava abertamente contra isso era a Folha de S. Paulo, que inclusive comprou briga ao empregar jornalistas que não eram formados (um deles era o Alon Feuerwerker, acho).

Ultimamente o assunto voltou à tona. Essa é a posição do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que encontrei no Just Think:

"Ao declarar uma notícia, se mal formulada ou equivocada, o jornalista pode gerar grave comoção social ou danos de severa monta. Não estamos diante de uma atividade vulgar, que prescinde de conhecimentos técnicos. Banalizar a questionada profissão a ponto de considerar que não merece regulamentação específica é desmerecer a realidade comum dos fatos."


Certo.

Mas afinal quem ele pretende enganar? Os argumentos são falhos.

Para começar, a lei de regulamentação da profissão é um absurdo que só existe no Brasil, empurrada em 1967 (se não me engano) como medida de controle dos jornalistas por parte da ditadura. No resto do mundo, pessoas formadas em história ou em outras áreas podem ser jornalistas. E eu, pessoalmente, acho que é mais importante para um repórter conhecer história e poder analisar os fatos que conta a saber detalhes de diagramação. (E é mais importante para um diagramador ter noções artísticas e gráficas sólidas a saber como se escreve um texto à la Folha de S. Paulo.)

Na verdade, a linha de argumento de Fonteles tenta se respaldar no aspecto social do diploma. Que não é um prêmio ao estudante, e sim uma defesa da sociedade. Diplomas servem para que saibamos que determinado profissional aprendeu o mínimo necessário e não vai nos ferrar. Ou seja, que um médico não vai fazer uma incisão no peito para operar uma apendicite, ou que a casa contruída pelo engenheiro não vai desabar. (A realidade é um pouco diferente, mas aí já são outros quinhentos.)

Acontece que aplicar esse princípio a jornalistas implica atribuir-lhes uma autonomia que não têm e nunca vão ter. A autonomia é do dono do jornal (Assis Chateaubriand para um jornalista: "O senhor quer ter opinião? Monte o seu jornal"), e depois, em muito menor grau, do editor (cuja posição política é sempre a do dono, ou então ele perde o emprego). Curiosamente, eu não preciso de diploma para montar um jornal. Preciso é de dinheiro.

Finalmente, egressos da "academia" podem cometer o mesmo tipo de cagada que um jornalista não-formado. Aliás, é lógico supor que ultimamente só formados cometem cagadas. Procure, por exemplo, os diplomas dos responsáveis pelo escândalo da Escola Base, de uns 10 ou 15 anos atrás. Você vai encontrar. Ou -- no que eu considero um mal pior à sociedade -- os diplomas dos sacanas que ficam nos empanturrando com notícias sobre a Luma.

E quer dizer então que profissões que não exigem diploma são "banais", hein? Suprema humilhação: publicidade não exige. Não vamos mais conseguir dormir à noite depois dessa constatação: somos banais. Nem o consolo de sabermos que elegemos presidentes nos restituirá o sono. Duda Mendonça não é formado em publicidade. Aliás, Duda não é formado em nada. É banal. Pobre Duda.

Há 15 anos, quando o assunto me interessava, eu sempre discutia esse assunto com uma amiga jornalista e sindicalista. Entre outras coisas, ela dizia que a exigência do diploma era uma arma da "categoria" para garantir melhores salários. Outro argumento bobo: não consta que salários-base de jornalistas sejam exatamente altos. Salários de publicitários banais, em compensação, são. E não é preciso diploma para o exercício da profissão: basta ter talento. Banal, mas talento.

Segundo a ótica dos sindicalistas, o diploma funcionava como uma espécie de reserva de mercado. Mas hoje em dia, nem isso: as faculdades de jornalismo despejam no mercado, a cada ano, mais gente do que há empregada em redações. É natural que as únicas pessoas que procurem uma redação, hoje, sejam jovens que estão saindo das faculdades de jornalismo. Não foi a exigência de diploma que levou a isso, foram as leis de mercado. A defesa que o diploma oferecia acabou, porque hoje há mais recém-formados querendo uma vaga do que desocupados querendo uma boquinha há 40 anos.

Acho, inclusive, que a lei prejudicou o jornalismo durante muitos anos. Se antigamente gente com talento e com formação sólida em outras áreas podia acabar indo parar nas redações, melhorando o nível geral de conhecimento, a lei eliminou essa possibilidade. A escolha, hoje, tem que ser feita cedo demais. E a verdade é que muita gente com vocação para jornalista não tem o talento necessário, como em qualquer outra área. Agora isso diminuiu, mas durante muitos anos o nível caiu assustadoramente, e essas restrições foram um dos motivos.

Manter essa lei é um absurdo anacrônico e, hoje, inútil. Mas o Fonteles, que precisa desesperadamente das boas graças da imprensa, continua insistindo. Fazer o quê?

quinta-feira, março 04, 2004

O povo quer saber

Enunciado: um grupo de traficantes invade o Pavão-Pavãozinho e o pau come na guerra de quadrilhas. Morre um faxineiro. A população da "comunidade", revoltada, desce para o asfalto e depreda restaurantes, supermercados e lojas que cometeram a imprudência de continuar abertos.

Pergunta: o que esses estabelecimentos têm a ver com a confusão, pelo amor de Deus?

De como Stálin pode salvar a culinária sergipana

Aracaju é famosa pelos seus caranguejos. Há alguns anos, eram devorados meio milhão de caranguejos a cada final de semana na cidade.

Ultimamente, no entanto, os caranguejos estão rareando. As razão são principalmente duas: a caça predatória -- nesse ritmo os caranguejos tinham que acabar, mesmo -- e a expansão imobiliária, que vem destruindo os manguezais do Estado. Atualmente, os caranguejos que se com aqui vêm da Bahia. É um duro golpe para a auto-estima sergipana, que já não é das maiores.

Embora eu não entenda como as pessoas possam gostar daquele ritual de quebrar caranguejos, a verdade é que Aracaju sem perde praticamente toda a sua culinária e sua vida noturna. Sobra apenas a mandioca.

Mas o velho e bom Iossif, o papaizinho cotó dos povos, pode dar a solução. Nos anos 1930 Stálin levou caranguejos gigantes do Pacífico para a Europa. Esses caranguejos chegam a pesar 12 quilos, e atualmente estão avançando implacavelmente pela costa da Noruega em direção à Europa continental. Dizem que têm gosto de lagosta.

Há duas soluções. Importem os caranguejos gigantes; num instante os sergipanos acabam com eles. Ou então mudem Aracaju para a Noruega.

Os 125 melhores jogadores vivos

Vi a lista da Fifa, escolhida por Pelé, com os 125 melhores jogadores vivos da história.

Eu não entendi como a França, com tantos jogadores na lista, só conseguiu levar uma copa até hoje, e mesmo assim na base da sorte.

Mas revolta, mesmo, é pela perseguição torpe e suja que vem se repetindo há duas décadas.

Cadê Jacozinho?

quarta-feira, março 03, 2004

Float like a butterfly, sting like a bee

Devo uma coisa a Mike Tyson e a David Lynch: graças a eles, passei a gostar de boxe.

Graças ao sucesso de Tyson no fim dos anos 80, a Globo passou a exibir lutas todo domingo à noite. Eu não via graça em boxe antes disso -- violento e suado demais. A idéia de agressão física, àquela altura da vida, me parecia sem sentido.

Mas em 1990 ou 1991 acabei assistindo, porque essas lutas eram exibidas antes ou depois do seriado Twin Peaks, de David Lynch. E finalmente descobri a beleza de um esporte que as pessoas com juízo classificam como estupidez.

Não demorou pouco tempo até eu deixar um pouco de lado a grande estrela do boxe, as lutas de pesos pesados. Não são minhas preferidas: são cada vez mais técnicas, com excesso de clinches e, claro, uma relativa falta de grandes lutadores. Nos pesos pesados a beleza intrínseca do boxe se perde um pouco, vítima da força física e da tática.

E há muito, muito tempo não aparece alguém capaz de flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha.

Por outro lado, as categorias mais leves -- galo, pena, mosca, etc. -- parecem brincadeira, mosquitos brigando por uma gota de sangue.

As categorias médias superiores são o lugar onde o esporte mantém a melhor combinação de arte, técnica e força. É nessas categorias que estão lutadores maravilhosos como Roy Jones, Jr. E é onde se pode assistir às melhores lutas.

Gente como Julio Cesar Chavez, Pernell Whitaker (um dos meus preferidos graças ao deboche com que luta, ou lutava), Oscar de La Hoya foram alguns dos lutadores a que assisti e que carregavam a verdadeira chama do boxe. Porque a beleza do esporte não está exatamente num nocaute, e sim na graça e perfeição com que um corpo se move em direção ao seu objetivo. O nocaute é só o clímax. É por isso que Muhammad Ali foi o maior de todos: por combinar, com perfeição, graça e força, os dois principais elementos do boxe. Float like a butterfly, sting like a bee.

Uma paródia de Stanislaw Ponte Preta ao "If", de Kipling, publicada em "Primo Altamirando e Elas", diz que se eu gosto de boxe sou uma besta. Talvez seja. Mas tenho a leve desconfiança de que Sérgio Porto não assistiu a nenhuma luta de Muhammad Ali. E se assistiu e mesmo assim continuava achando um retrato da barbárie, a besta era ele.

Everwood

Uma vez o Bia me disse que, em matéria de filmes, eu gosto de umas coisas "leves".

É verdade (e essa é a maior prova de que eu sou uma pessoa doce e sensível; não acreditem no que dizem por aí).

Deve ser por isso que eu gosto do seriado Everwood, exibido pelo Warner Channel. É a história de um médico famoso que pira depois que a mulher morre, e resolve dar uma de bom samaritano num cu de judas gelado. O seriado trata dos problemas da comunidade, de modo geral.

Provavelmente, a principal razão para eu gostar do seriado seja o fato de ele ser um produto extremamente bem concebido do ponto de vista de marketing. É um seriado que, apesar de ter vários pontos de atração para vários segmentos -- pais e filhos, dramas médicos, conflitos adolescentes --, não perde a unidade. Não vira um samba do crioulo doido.

A segunda -- e aí vem a verdadeira razão -- deve ser porque eu sou um sentimentalóide que gosta de ver histórias de recomeços, de pais e filhos e de adolescentes problemáticos e metidos a engraçadinhos que se dão bem.

(Em terceiro viriam duas das mais bonitas atrizes jovens atualmente na TV; mas isso é bobagem, porque afinal de contas eu sou uma pessoa doce e sensível.)

Do divã do dr. Galvão

Do Amorous Propensities:

The most frequently asked question among males: Whether the size of their penis is normal. Among females: Whether they can get pregnant by rubbing up against someone or having sex in a pool.


O dr. Galvão, PhD em safadeza e deboche, informa às adolescentes ansiosas que fazer saliência na piscina pode resultar em gravidez, sim. E o bruguelo que nascer vai ser campeão olímpico de natação.

terça-feira, março 02, 2004

Noivo, pode beijar o noivo

Com a confusão sobre o casamento gay, pastores anglicanos na Inglaterra estão dizendo que preferem ser processados a realizar casamentos de transsexuais, o que poderá ser obrigatório graças à futura Lei de Reconhecimento Sexual.

É uma discussão interessante sobre os limites do casamento.

Parece lógico que tão justo quanto dar a homossexuais o direito de oficializar sua união é reconhecer o direito de uma igreja ou qualquer outra instituição de manter seus princípios. Já não se fala mais de justiça ou de igualdade, mas de um grupo impondo suas convicções a outro. E quando isso acontece ocorre injustiça.

A questão é que qualquer clube tem suas regras. Se discordo delas, tenho o direito de não fazer parte dele. Se passo a discordar depois de entrar, tenho o dever de sair. Por exemplo, um padre não é obrigado a se ordenar; mas depois que se ordena, é uma questão de ética se manter fiel aos seus votos. Se acha que não dá -- e acho que é impossível seguir aqueles absurdos --, e eles não querem mudar, saia. Mas é hipocrisia continuar querendo o melhor de dois mundos muitas vezes antagônicos.

Se é injusto impedir que duas pessoas que se amam legalizem sua relação da mesma forma que heteressexuais, é também injusto exigir que uma igreja violente seus princípios. Não custa lembrar que religião e Estado, de uns tempos para cá, viraram coisas separadas.

Obrigar uma igreja a realizar um ato que julga um grande pecado é um profundo desrespeito a ela. Desnecessário, inclusive: não me parece que as pessoas precisem das bênçãos de pastores ou igrejas para serem felizes.

É também burrice. Com exceção da direita mais conservadora, a maior parte das pessoas sensatas é favorável à união civil de homossexuais. É fácil reconhecer o direito de alguém de se tornar reconhecido como o companheiro de outra. Mas quando se trata de ir de encontro àquilo que as pessoas acreditam ser maior que elas, como a religião, a coisa muda de figura.

Que me desculpem a grosseria, mas bater pé para entrar na igreja vestindo branco é viadagem.

E a propósito: a Igreja Rafaélica de Todos os Tostões realiza casamentos homossexuais. Mas a taxa é mais alta.

As pequenas contradições da vida

Na Arábia Saudita, como em boa parte do mundo islâmico, sodomia é crime.

Mas curiosamente os gays sauditas têm mais liberdade do que no Brasil, o país da tolerância.

Lá, casais heterossexuais não podem andar de mãos dadas nem beijar em público. Mas gays podem, por uma falha imprevista dos costumes extremamente machistas do Islã.

Esses paradoxos são a graça da vida, e o que faz o entendimento dos costumes de tantos povos diferentes ser tão difícil.

The times they are a-changin'

No meio do ano passado, me disseram que Bush era imbatível. Eu discordei.

A razão não era só a minha vontade de que aquele bastard (não é mais bonito chamar de bastard que de filho da puta?) sumisse da face da terra. Eu vinha começando a perceber, através de revistas e principalmente blogs, que havia uma corrente anti-Bush se fortalecendo nos subterrâneos.

Basicamente, os americanos se perguntavam o que tinham ganhado desde que Bush assumira a presidência. A resposta era nada.

O fenômeno, em si, não é nada novo. É o que acontece quando um governo radicaliza ao ponto que Bush radicalizou. Isso aconteceu em 1972, com Nixon e McGovern; em muito menor grau, aconteceu com Carter e Reagan.

Mas a internet tem a ver com isso. Não criou nenhum sentimento, nenhuma ideologia, mas serviu como câmara de eco e agente de ligação dessa revolta surda. É mais fácil externar opiniões e encontrar quem as compartilhe. As coisas crescem mais rápido, assim.

Uns seis meses depois, esse "movimento" anti-Bush não pára de crescer. E a não ser que nos próximos 6 meses Bush multiplique empregos como Jesus multiplicou pães e peixes, é bem provável que ele perca as eleições.

A cada dia, as eleições em Roma ficam mais interessantes.

segunda-feira, março 01, 2004

Aqueles pequenos objetos sexuais

De vez em quando vejo reclamações sobre alguém que retrata mulheres como objetos sexuais.

É engraçado. Porque mulheres são objetos sexuais. Pelo menos em alguns momentos.

E ai daquele que não achar isso na hora que elas querem.

Comentários sobre o Oscar

Não vi a cerimônia do Oscar, mas a primeira coisa que fiz ao acordar na segunda foi catar os resultados. Interessantes.

O mais interessante em tudo isso é a vitória de Sean Penn. Se já esqueceram, não custa lembrar que ele teve uma atuação importante no movimento pacifista do ano passado, se manifestando contra a guerra quando todo o país dele parecia ser a favor, e abriu a boca para reclamar que estava sendo boicotado por suas posições.

Como as eleições no Oscar são sempre políticas, o Oscar pode significar que o grosso dessa elite cinematográfica está de saco cheio de Bush. São formadores de opinião importantes, e sempre refletem um movimento que deixou de ser subterrâneo.

Ou seja, cada vez mais acredito que Bush vai perder o emprego.

Googling

Eu não gosto do Yahoo. Nunca gostei. Meu site de buscas preferido, desde o início, foi o Altavista, ainda no tempo em que se digitava altavista.digital.com. Dele passei direto para o Google.

Se você procura por "Rafael Galvão" no Google, a primeira página a aparecer é a do autor destas mal-traçadas. Por isso gosto do Google, mesmo que ele ache que este blog é o lar de toda e qualquer parafilia imaginável. Provavelmente ele me acha mais pervertido do que o que eu realmente sou.

No Yahoo e no Altavista eu nem sequer apareço, só como links nos weblogs generosos e condescendentes o suficiente para me citar.

É perseguição. Ou incompetência: não deve ser coincidência que todos eles estão tentando ficar parecidos com o Google. Como não guardo rancores, sugiro que, como primeira medida, reconheçam a importância inútil deste seu criado.

domingo, fevereiro 29, 2004

Maria Rumbeira

         Quando descobri o blog do Adenor Gondim me apaixonei por esta foto.
         Deixo que o próprio Adenor a descreva:
Na feira de Junco, município de Jacobina-BA, numa tarde de maio de 1984. No meio da feira, num espaço de 5 m2, um pau em cada canto, uma lona em volta, uma bancada-palco, Tonho do Acordeon & Maria Rumbeira. Casa cheia, 20 espectadores disputando um melhor lugar para ver e se possível tocar em Maria. Hoje o ingresso seria R$ 1,00 por cabeça para uns 15 minutos de show. Era proibido tocar em Maria sob pena de ser expulso do espetáculo. Quando a sanfona parou tinha apenas 14 espectadores.

         Há fotos mais belas no blog do Adenor, ou pelo menos esteticamente mais adequadas ao gosto do mundo. Mas essa foto, pelo menos para mim, conta uma história vívida que, se não é exatamente típica, é pelo menos uma faceta bastante reconhecível da história de tantos e tantos sobreviventes no sertão.
         Pelas roupas, pela atitude, pode-se dizer que Maria Rumbeira é prostituta em um cabaré qualquer do interior da Bahia, de Pernambuco ou do Ceará. De qualquer lugar. Porque o sertão nordestino é o contrário do Brasil, é o paraíso da homogeneidade. O tal caldeirão cultural brasileiro não existe ali, uma terra árida que gera gente ensimesmada e rústica, chamada por Euclides da Cunha de "o verdadeiro paulista". E por isso é impossível saber quem é Maria Rumbeira. Ela pode ser mulher de Tonho do Acordeon, pode ser sua funcionária, pode ser uma das partes de uma protocooperação da qual ambos se beneficiam: ela traz ouvintes para ele, ele traz clientes para ela. Talvez essa seja a graça a história que a foto de Maria Rumbeira conta: ela pode ser qualquer história que se queira imaginar.
         De que interessa que sua barriga denuncie pelo menos um parto? Seu olhar compenetrado enquanto dança mostra a seriedade com que defende seu pão. Sua roupa cafona é um arremedo de music hall -- um retrato da pobreza que se espelha no luxo do showbiz que ela via no Chacrinha, um conceito digerido pelo seu ambiente e pelos seus padrões e transformado em sensualidade sertaneja e grosseira.
         A história de Maria, pelo menos nessa foto, está para sempre ligada à de Tonho do Acordeon. É engraçado pensar que no começo ela era provavelmente apenas um chamariz para Tonho do Acordeon, um homem que provavelmente começou a tocar acordeon profissionalmente na década de 70 e, naquele momento, via seu público minguar graças à chegada das rádios FM e das tevês. Para Tonho, Maria inicialmente era um acessório; mas a vida é engraçada e as pessoas devem ter passado a ver Tonho apenas como o sujeito que tornava possível a dança de Maria.
         Seus espectadores não enxergam a arte que há no show, até porque provavelmente não há nenhuma. Para eles, Tonho do Acordeon é apenas um pretexto para verem uma mulher que julgam sexy -- e que, veja o olhar dela, concorda com eles -- dançar sensualmente. 1984, de certa forma, ainda era um ano de inocência no interior. E Maria Rumbeira era um signo de sensualidade numa sociedade machista, ainda ingênua e respeitadora. Era a Gretchen que estava ao seu alcance, e em quem um rápido toque valia a pena de uma expulsão.
         20 anos depois dessa foto, Maria Rumbeira provavelmente não dança mais e não corre as cidades do interior em dias de feira. Está casada, é mãe solteira, trabalha numa venda, é puta barata para caminhoneiros sem dinheiro, é qualquer coisa. Tonho, provavelmente, continua tocando sua sanfona -- talvez agora com uma mulher mais nova e, quem sabe, na qual se possa tocar durante o show que, não por acaso, dura 15 minutos.

sábado, fevereiro 28, 2004

Igreja Rafaélica de Todos os Tostões

         Eu tenho um sonho.
         Não é um sonho onde as pessoas não sejam julgadas por sua cor, porque esses sonhos bonitinhos eu deixo para o Luther King .
         Meu sonho é fundar uma igreja.
         Ela já tem até nome. Igreja Rafaélica de Todos os Tostões. Tem também um slogan: "A salvação a preços módicos".
         E antes que as más línguas venham falar de eventuais semelhanças com a igreja do Bispo Macedo, vou avisando que não há nenhuma. Para começar, eu serei cardeal. Cá para nós, "Cardeal Galvão" soa bem.
         A obreiros e fiéis, a Igreja Rafaélica de Todos os Tostões oferecerá a salvação. Você nos dá o seu dinheiro -- inclusive aquele que você guardou na meia, pão duro safado; pensou que podia esconder dinheiro do Pai? -- e nós lhe damos a salvação. É justo. A salvação de sua alma pecadora vale mais que o dízimo. E se você não aprendeu a dar, como espera receber? Primeiro a gente mete a mão no seu bolso, depois te mete no Paraíso.
         Os céticos, essa raça ímpia incapaz de ver a pureza e a verdade d'alma, podem alegar que Jesus oferece a salvação de graça. É. Pode ser. Mas na Igreja Rafaélica de Todos os Tostões você fala com o dono, cara a cara, olho no olho. Você quer falar com Jesus pessoalmente, quer? Pois é. Achei que não. A Igreja Rafaélica de Todos os Tostões oferece a salvação com certificado de garantia -- e se você não a conseguir, pode voltar do Além e falar com o Cardeal Galvão que ele te dá o dinheiro de volta.
         Mas nem só dos assuntos de Deus a Igreja Rafaélica de Todos os Tostões se ocupará. Porque somos evangélicos mas temos algo de católicos, e acreditamos que a obra do Senhor se realiza aqui, quando estendemos a mão aos nossos irmãos carentes e os ajudamos a seguir em frente com dignidade. As boas ações é que nos levam ao Paraíso.
         A Igreja Rafaélica de Todos os Tostões se dedicará à santa obra de ajudar aqueles menos favorecidos pela Providência, aqueles a quem precisamos dar as mãos no esforço de criar um mundo mais solidário.
         E nossa obra social começará por mim. E não venham vocês alegarem que é malandragem, porque não é. Como você espera que o Cardeal Galvão se dedique à evangelização se tem que se preocupar com coisas de somenos importância, como a sua sobrevivência com um padrão mínimo de dignidade?
         A nossa obra social começará por mim porque eu ando carente.
         Eu ando carente de um Jaguar, com motorista surdo-mudo.
         Eu ando carente de um apartamento pequeno, coisa de 300 m2, no Faubourg Saint Germain. E de outro, ainda menor, na Via Vêneto.
         Eu ando carente de um Lear Jet.
         Eu ando carente de uma casa na Riviera Italiana (com vista panorâmica para o Mediterrâneo porque eu preciso de um ambiente bucólico para pensar em tão espinhosos assuntos teológicos; aquela que aparece em "A Condessa Descalça", com sua praia particular, serve) e de um castelo no Vale do Loire, daqueles que já vêm com título de nobreza.
         Cacete, eu ando carente de tantas coisas que só de pensar nelas dá vontade de chorar.
         E é tão pouco.
         Por isso a Igreja Rafaélica de Todos os Tostões. Porque precisamos estender as mãos uns aos outros. Precisamos de um mundo mais justo, e o Cardeal Galvão é o líder que vai nos levar em direção à Luz -- e, graças às suas contribuições, agora sem que a Light a corte por falta de pagamento.

Super-heróis

         Piada do dia: minha irmã recebe um convite de formatura. Nele, a formanda agradece aos pais e louva o modelo de honestidade que eles representaram para ela. Honestidade.
         Quanto à mãe eu não sei. Mas conheço seu pai. É comprovadamente corrupto, condenado por isso. Chamá-lo de ladrão não dá processo.
         Mas o que seria de nós sem os filhos para nos ver como melhores que a realidade?

A literatura moderna

         O Bia acha que as regras do Elmore Leonard para literatura são válidas para a literatura moderna.
         Aí é que tá, Bia. Acho que a graça -- e a ruína -- da literatura moderna é o fato de ela praticamente não ter regras que desçam a esse ponto de minúcia. É curioso imaginar que Joyce, Mann, Proust e Hemingway (embora eu ache este último uma fraude) fazem "literatura moderna", e não há nada em comum entre eles.
         Mas a lista de Leonard é praticamente um manual de estilo. O que ele preconiza é típico da cultura americana com seus "cursos de criação literária", em que há um modelo razoavelmente rígido para que se escreva a great american novel. Diz respeito a um tipo de técnica narrativa específica, aquela americana derivada de Hemingway e às vezes com raízes remotas na Bíblia do Rei James via Faulkner, e hoje em dia menor na minha não tão humilde opinião. Faz muito tempo que não vejo nada de realmente brilhante na literatura americana -- o que inclui derivados do noir como Leonard, e também, citando aleatoriamente, William Kennedy, Malamud e todos os outros.
         Acho que a literatura americana, no conjunto, é a mais importante do século passado: muito bons escritores em um curto período de tempo e em um espaço bem delimitado. Mas isso se deve a um período específico, entre os anos 20 -- com Fitzgerald e Hemingway, por exemplo -- e os 50, com a última grande explosão criativa, a literatura beat. Era uma literatura forte, pulsante, o melhor retrato de um país que explodia em força econômica e criativa, com a absorção de levas gigantescas de imigrantes.
         Mas ela definhou faz tempo, e hoje vive da repetição de clichês e de pequenos não-eventos de marketing. Pode ser ignorância minha, mas não conheço nenhum grande romance americano que tenha sido lançado nos últimos 20 anos. Muitos bons livros, claro, mas nada que você coloque na estante com a sensação de que acabou de ler um par de Proust ou Joyce.
         A lista de Leonard, no final das contas, estabelece as regras da mediocridade (entendida como mediana, ou comum). Se Joyce seguisse as regras de sua época não escreveria "Ulysses". Proust não teria escrito "No Caminho de Swann". Porque todo mundo estaria escrevendo igual a algum modelo que, àquele momento, tentava sacudir o mofo de cima de suas regras recém-criadas.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

A decadência que nos espera

         Eu estava em Paris, engolindo aquele "continental breakfast" intragável que servem por lá e que só se salva pelo café, melhor que o que se toma aqui.
         Foi quando entrou no restaurante do hotel uma família de americanos: pai, mãe e casal de filhos adolescentes.
         Eram brancos e louros, aquele branco-louro lavado e insosso. Eram feios, típicos americanos médios, e não sei se era por terem acordado naquele instante ou por uma vida de tolerância compulsória, mas pareciam evitar dirigir a palavra uns aos outros. A menina, de seus 14 anos, eu só pude definir como "lambisgóia"; nunca uma palavra foi tão adequada alguém.
         Se sentaram na mesa e começaram a comer. A menina pegou uma tigela e encheu de sucrilhos e leite. Até a borda.
         Devem ter esquecido de lhe contar que talheres servem para levar a comida à boca, porque ela afundou a cara de cavalo na tigela e começou a comer. Segurava a colher como quem segura um facão, com firmeza, decidida a não perder a batalha contra aquela desconhecida. À essa altura eu já tinha deixado o meu café esfriar e olhava para ela sem conseguir controlar a queda progressiva de meu queixo.
         Quando os sucrilhos acabaram, ela deve ter sentido uma imensa pena em desperdiçar todo aquele leite. E então levantou a tigela e, com a sem-cerimônia de um asno em seu côcho, bebeu sofregamente o leite.
         A danada não deixou cair uma gota. Quando acabou limpou a boca com as costas da mão. Ela estava satisfeita. Esperei um arroto que não veio.
         Pela primeira vez tive uma noção clara do que me esperava, eu vassalo de um império disfarçado e tosco. E pensei em ligar para minha mãe e reclamar que, em vez de ter me dado boas maneiras, ela devia era ter ido me parir nos Estados Unidos. Porque lá eu poderia ser um porco, mas não me incomodaria porque aos donos do mundo educação não é pedida.

A vingança dos normais

Nos últimos anos eu vinha ouvindo um ditado engraçadinho que só não era mais chato que os óculos de quem contava.
         "Trate bem o nerd, porque ele será seu chefe amanhã."
         Agora, anos depois, tenho o prazer de sugerir à nerdada que seus dias de glória estão acabando.
         O ápice do nerdismo se deu quando houve a última grande ruptura tecnológica, graças à tecnologia da informação, e aquela classe antes desprezada por qualquer pessoa que tivesse um mínimo de traquejo social alcançou uma posição de importância desmedida. De humilhados na sala de aula, de vítimas de trotes sem graça, o pessoal das risadinhas esquisitas sobre assuntos sem graça foi alçada à posição de -- Deus me perdôe -- modelos sociais.
         Mas em um mundo cheio daquilo que o Peter Drucker chama de "técnicos da informação", ser nerd traz cada vez menos vantagens. É ser mais um na multidão. É disputar o mesmo mercado com gente normal cujos conhecimentos técnicos se aproximam cada vez mais dos deles.
         O mundo está voltando ao seu lugar, e nós também. Não vamos mais ter que agüentar bobões vestidos de Darth Vader. Não vamos mais ter que ouvir explicações filosóficas sobre a Enterprise. Não vamos mais ter quer ler notícias como esta. "Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas" vai voltar a ser só um livro chato.
         A vingança dos unnerds se aproxima.

Redatores de arte

         Lendo um post do Fabio no Stereo Screaming, vi uma expressão perfeita: "redator de arte".
         Se entendi bem, quer dizer o seguinte: um diretor de arte que, por força das circunstâncias, acaba fazendo as vezes de redator. O contrário também se aplica aos pobres redatores, seres infelizes que à noite sonham com clientes monstruosos e suas canetas castradoras, que na falta de coisa melhor aprendem a se virar com o Illustrator, o Corel Draw! e o Photoshop.
         É comum em agências pequenas. É a pior coisa que pode acontecer. É a melhor, também.
         É a pior porque distrai, porque o sujeito acaba se dedicando 50% a cada área -- isso quando não dedica mais tempo àquela que não é a sua, como tentativa de surprir suas deficiências. O resultado raramente é o melhor possível. Fica sempre a impressão de que poderia ter sido melhor, de que nem o texto nem o layout ficaram satisfatórios. Além disso, acaba faltando aquela interação entre a dupla de criação (ah, não dá para resistir: dupla de criação, segundo o Dorinho, é composto de um homem que pensa e um diretor de arte...). Quando é uma dupla bem azeitada, o resultado é sempre maior que a combinação dos dois.
         Ao mesmo tempo, é a melhor porque força o sujeito a ser um criador melhor, mais completo.
         Resumindo, é bom ser um redator de arte. Mas só durante um tempinho.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Mais uma brilhante teoria rafaeliana

Como você já deve ter notado, eu tenho um passatempo desajuizado. Consiste em contradizer teorias elaboradas por gente mais preparada que eu, gente que dedicou horas infindáveis a estudos e pesquisas sobre o assunto, usando pouco mais -- ou pouco menos -- que o senso comum.

Senso comum é uma coisa perigosa. Foi ele que fez com que acreditássemos por milênios que a Terra era o centro do universo, quando não era sequer o centro de um sistema solar de quinta ou sexta grandeza.

Essas contra-teorias que elaboro surgem do nada, talvez pelo que muita gente identifica como uma forte tendência minha de "ser do contra".

Por exemplo, li há algum tempo, em algum lugar, que uma pesquisadora chegou à conclusão de que o português falado hoje no Brasil era mais parecido com o falado em Portugal em 1500 do que o que se fala por lá agora.

Segundo ela, o Rio só sujaria os ss porque, depois de séculos isolada, ainda falando como se falava em Portugal 3 séculos antes, foi invadida pelo "novo português" em 1808.

Eu discordo.

O Brasil sofreu mais influências linguísticas do que Portugal. Houve os índios, em primeiro lugar. E os grandes responsáveis pelo estabelecimento do português como língua nacional foram os escravos africanos, que divididos em uma série de nações e idiomas foram obrigados a utilizar a língua do opressor. Sem contar os muitos imigrantes de nacionalidades diversas, que variavam de acordo com a região -- italianos em São Paulo, alemães no sul, espanhóis na Bahia.

O mais provável, pela lógica, é que o Brasil tenha sofrido mais influências desses falares diversos do que Portugal.

Uma das evidências de que o português brasileiro foi o mais modificado está no fato de que as únicas cidades litorâneas (não se deve esquecer que o Brasil, até há pouco tempo, só existia de verdade no litoral) que sujam os ss -- como os portugueses -- são o Rio, Salvador e Recife; duas delas falam "dje". São justamente essas que mantiveram maior contato com Portugal ao longo da história colonial. O Rio sujaria mais porque foi invadido por Dom João e seus sicofantas, sofrendo uma espécie de volta às raízes.

Assinado: Rafael Houaiss, seu criado.

O Evangelho segundo Elmore Leonard

         Elmore Leonard tem uma lista de 10 erros que se pode cometer ao escrever literatura.
         Veja só:

1. Never open a book with weather.
If it's only to create atmosphere, and not a character's reaction to the weather, you don't want to go on too long. The reader is apt to leaf ahead looking for people. There are exceptions. If you happen to be Barry Lopez, who has more ways to describe ice and snow than an Eskimo, you can do all the weather reporting you want.


Conheço pelo menos um escritor que invarialmente abre seus livros assim, gente que o mundo vem lendo há séculos. Mas Leonard, claro, é melhor que ele.

2. Avoid prologues.
They can be annoying, especially a prologue following an introduction that comes after a foreword. But these are ordinarily found in nonfiction. A prologue in a novel is backstory, and you can drop it in anywhere you want.
There is a prologue in John Steinbeck's ''Sweet Thursday,'' but it's O.K. because a character in the book makes the point of what my rules are all about. He says: ''I like a lot of talk in a book and I don't like to have nobody tell me what the guy that's talking looks like. I want to figure out what he looks like from the way he talks. . . . figure out what the guy's thinking from what he says. I like some description but not too much of that. . . . Sometimes I want a book to break loose with a bunch of hooptedoodle. . . . Spin up some pretty words maybe or sing a little song with language. That's nice. But I wish it was set aside so I don't have to read it. I don't want hooptedoodle to get mixed up with the story.''


         Por que Leonard não contou isso para Balzac? Assim o pobre Honoré evitaria começar seus livros com prólogos que duram até várias páginas. E seria um escritor tão bom quanto Leonard.

3. Never use a verb other than ''said'' to carry dialogue.
The line of dialogue belongs to the character; the verb is the writer sticking his nose in. But said is far less intrusive than grumbled, gasped, cautioned, lied. I once noticed Mary McCarthy ending a line of dialogue with ''she asseverated,'' and had to stop reading to get the dictionary.
4. Never use an adverb to modify the verb ''said'' . . .
. . . he admonished gravely. To use an adverb this way (or almost any way) is a mortal sin. The writer is now exposing himself in earnest, using a word that distracts and can interrupt the rhythm of the exchange. I have a character in one of my books tell how she used to write historical romances ''full of rape and adverbs.''


         Meu Deus, e todos aqueles escritores que achavam estar fazendo um grande trabalho ao escrever os tais outros verbos? Dickens, seu merda!

5. Keep your exclamation points under control.
You are allowed no more than two or three per 100,000 words of prose. If you have the knack of playing with exclaimers the way Tom Wolfe does, you can throw them in by the handful.


         Bem, nisso ele tem razão, na minha opinião. O ponto de exclamação é o crachá da incompetência.

6. Never use the words ''suddenly'' or ''all hell broke loose.''
This rule doesn't require an explanation. I have noticed that writers who use ''suddenly'' tend to exercise less control in the application of exclamation points.


         De repente, não mais que de repente, Vinícius de Morais é um incompetente.

7. Use regional dialect, patois, sparingly.
Once you start spelling words in dialogue phonetically and loading the page with apostrophes, you won't be able to stop. Notice the way Annie Proulx captures the flavor of Wyoming voices in her book of short stories ''Close Range.''


         Acho que foi Hemingway quem disse que toda a literatura americana descende de "Huckleberry Finn". Dat's right. E o livro é praticamente todo escrito em dialeto escravo. Mas como se sabe, Leonard vai deixar uma impressão muito mais duradoura na literatura americana que Mark Twain.

8. Avoid detailed descriptions of characters.
Which Steinbeck covered. In Ernest Hemingway's ''Hills Like White Elephants'' what do the ''American and the girl with him'' look like? ''She had taken off her hat and put it on the table.'' That's the only reference to a physical description in the story, and yet we see the couple and know them by their tones of voice, with not one adverb in sight.


         Não é que esteja errado. Tampouco está certo. A questão é que esse item finalmente demontra a razão de ser dessa lista: Leonard quer que todos os escritores do mundo escrevam como ele. Direito dele.

9. Don't go into great detail describing places and things.
Unless you're Margaret Atwood and can paint scenes with language or write landscapes in the style of Jim Harrison. But even if you're good at it, you don't want descriptions that bring the action, the flow of the story, to a standstill.


         Leonard deveria ter lido "O Pai Goriot" com mais atenção. E veria que a descrição da pensão de Mamãe Vauquer, ou a descrição do quarto do pai Goriot em comparação aos de suas filhas, são fundamentais para a compreensão do espírito da história. Mas talvez ele tenha razão, já que é um escritor muito, muito melhor que Balzac.

10. Try to leave out the part that readers tend to skip.
A rule that came to mind in 1983. Think of what you skip reading a novel: thick paragraphs of prose you can see have too many words in them. What the writer is doing, he's writing, perpetrating hooptedoodle, perhaps taking another shot at the weather, or has gone into the character's head, and the reader either knows what the guy's thinking or doesn't care. I'll bet you don't skip dialogue.


         Tem razão. A questão é saber que partes são essas. E se o sujeito sabe, certamente não está preocupado com a lista de Leonard.

Uma certa falta do que dizer

         Meus hábitos de internet são meio malucos.
         Eu checo regularmente 5 contas de e-mail, 3 delas várias vezes por dia. E para isso uso dois programas. Para o mail diário uso o Eudora, ainda o melhor cliente, principalmente para malucos que como eu guardam tudo o que recebem, com exceção de newsletters; ele manipula anexos com uma transparência e flexibilidade que nenhum outro produto oferece. Para as duas contas que só recebem newsletters uso o Mozilla Thunderbird, porque elas não permitem mais de cinco checagens diárias. Se permitissem, eu usaria só o Eudora.
         Tenho 3 browsers instalados. O que realmente uso é o Mozilla, natural para quem usou o Netscape desde a versão 2.02. É, disparadamente, o melhor. Uso o Explorer exclusivamente para me conectar ao Velox, no Rio, e para postar no Blogger.br (que tem uma incompatibilidade séria com o Mozilla).
         Para escrever estes posts uso o w.bloggar, que embora não poste diretamente no Blogger.br me permite contornar a deficiência crônica dos servidores da Globo (aqueles que dizem que você passou muito tempo sem mexer no blog, isso quando você acabou de entrar) e ainda facilita a inclusão de links e tags HTML.
         Curiosamente, o blog é melhor visualizado no IE do que no Mozilla. Ao mesmo tempo, a cor original dos textos (cinza) só aparece no Mozilla. Em alguns computadores há um problema com visualização da fonte (Georgia, que se você quiser pode baixar aqui), mas pelo que vi não é nada de tão grave.
         Durante muito tempo usei o ICQ -- meu UIN é um remoto 693217, bem longe dos 8 ou 9 dígitos de agora. Mas acabei admitindo que o MSN Messenger é muito mais prático e simples, e há muito tempo não uso o ICQ.
         Ainda uso algumas velharias como o CuteFTP, e ainda guardo um cliente Gopher, embora não sirva mais para nada. Para compartilhamento de arquivos uso dois programas: o iMesh, razoável para músicas isoladas, e o eMule, o melhor para álbuns inteiros, filmes e programas. Entretanto, é preciso paciência com este último.
         Meu novo xodó é o NewzCrawler. Depois que descobri o RSS, é a minha forma preferida de ler blogs e notícias. Ainda é cheio de feeds que trazem apenas sumários, mas com o tempo ele vai se restringir a feeds completos. Acredito que mais cedo ou mais tarde o RSS vai se tornar fundamental; mas nem mesmo eu confio nas minhas previsões.
         E pensar em 1990 eu não fazia idéia de que ia depender tanto de um computador.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Vem, Totó, vem...

         Do Amorous Propensities:
Dr. Melvyn Greenberg said: "An intact male dog has no pheromonal or odoriserous attraction towards a human female. The male dog has no inherent desire for sexual copulation with a human female.
(...)
He said a male dog cannot be changed to perform sexual intercourse with a human female. The dog would have to be masturbated, held under appropriate restraints and forced by a human to enter a female vagina. A minimum of six men would be required for such an exercise.

         Resta dizer três coisas.
         A primeira é que, em relação a esse tipo de uso de cães, não é o pênis que interessa.
         A segunda é que na Inglaterra vitoriana, onde o homossexualismo masculino era crime -- como bem sabia Oscar Wilde --, o lesbianismo era "liberado". A razão era simples: a rainha Vitória não acreditava que duas mulheres pudessem fazer aquilo.
         Terceira: alguém lembrou de avisar isso para os Yorkshires das senhoras de Copacabana?
         Quarta (eu não aprendi matemática no colégio): cachorros podem não gostar de mulheres, mas são fissurados numa perna.

A 8 mil pés acima do nível do mar

         Normalmente eu entro no avião, sento na minha poltrona e esqueço do mundo. Se tem alguma coisa para ler, eu leio. Se estou sentado à janela, olho para fora. Raramente abro o computador. Raramente durmo. Raramente converso com alguém. Não tenho muito interesse e, quando meu companheiro de viagem tem, não demora muito para que sua polidez seja desestimulada pelos meus monossílabos.
         Mas ainda lembro da senhora que voltou de Aracaju comigo, para o Rio.
         Era sua primeira viagem de avião. Não sabia como apertar o cinto de segurança, não sabia como chamar a aeromoça, não sabia nada. Eu a ajudei com o cinto e a ensinei a reclinar a poltrona. E talvez por isso, e pelo nervosismo, ela tenha resolvido que eu seria seu confidente durante aquelas próximas horas.
         Ela era de Brejão, um povoado de um interior remoto chamado Brejo Santo ou Brejo Grande, não lembro. Tinha morado cerca de 20 anos no Rio, onde deixara uma filha.
         Ela estava maravilhada, porque nunca tinha viajado de avião porque achava que era caro demais. Agora que ela sabia que o preço era acessível, só iria viajar de avião. Contou toda a história de sua vida; naquela época ela, além da pensão do INSS, descolava um troco comprando terrenos e vendendo um pouco mais caro.
         Era uma mulher interessantíssima, pela vitalidade e pela simplicidade -- não aquela simplicidade acanhada, mas uma mulher que estabeleceu um pacto com a vida: ela sabia exatamente como é o mundo, mas não deixava que isso lhe incomodasse.
         Ela me contou até o motivo de sua viagem: ia fazer uma operação de hemorróidas. Não sei em que isso poderia me interessar, mas tive que me controlar para não rir. Não era difícil, na verdade.
         Aproveitei para iniciar aquela senhora nos meandros da contravenção. Ela ficou tão encantada com o lanche a bordo -- é preciso ser um neófito para se encantar com a comida vagabunda que as empresas aéreas servem hoje em dia -- que queria levar tudo, talheres e pratinhos, para casa.
         Não seria eu a contar a ela que isso não se faz.

Mamma África

         No começo de 2000 uma matéria na Veja me deixou ao mesmo tempo fascinado, curioso e estupefato.
         Ela contava que a Somália tinha, simplesmente, colapsado. Não havia mais Estado. O país tinha chegado à anarquia absoluta.
         Nos últimos dez anos a Somália tinha sido sinônimo de fome e de caos; era mais ou menos o tempo que se passou desde que perdeu seu governo central.
         A reportagem falava com pessimismo sobre sua situação. Nos últimos tempos pequenos enclaves de poder vinham se organizando dentro do seu território, onde clãs conseguiram se impor. Eram como pequenas cidades-estado -- que pouco a pouco iam se formando.
         E era isso que me maravilhava, me espantava e me deixava com a sensação de que sou testemunha de tempos maravilhosos.
         A África vem revelando tantas tragédias nos últimos anos que todo o mundo praticamente admite não saber se há uma solução possível. Aids, Ebola, guerra civil com requintes eventuais de canibalismo, tudo isso sai de lá. Mas a solução estava na cara de todos, e a reportagem não via isso.
         Qualquer pessoa sabe que a grande tragédia da África foi o colonialismo. A Europa dominou várias regiões e estabeleceu divisões administrativas a seu bel-prazer, pouco importando a história e as etnias daquela região. Como exemplo, em Ruanda juntaram tribos rivais que hoje se massacram mutuamente.
         Quando o modelo se esgotou e as colônias conseguiram sua independência, herdaram essas fronteiras e composições étnicas artificiais. Mais que isso, herdaram uma cultura que não era a sua. Não se respeitou o processo de formação histórica daqueles povos, que saltou etapas e pulou da Idade da Pedra para um regime democrático que eles não criaram nem jamais conseguiram assimilar totalmente.
         Ao descer ao fundo do poço, a Somália finalmente começava a arrumar a casa. Jogava para o alto toda a história da colonização e recomeçava do nada.
         Era um processo fascinante, com muitos pontos em comum com a formação dos Estados nacionais europeus após a queda do império romano: fracionamento da unidade original, formação de pequenos Estados de poder reduzido. Acima de tudo era um processo que poderia restaurar as configurações prováveis das nações africanas, retomando o curso da história de um continente que culturalmente ainda tem muito de pré-histórico. As nações que se formariam teriam assim uma base consensual e, finalmente, legítima.
         É um processo que se estendeu por mais de 1000 anos na Europa, mas que poderia se desenrolar em algumas décadas na Somália. Na sua desgraça, ela estava apontando o futuro.
         E foi ao notar isso que percebi a maravilha destes tempos em que vivemos. A multiplicidade de um mundo que pode ser tudo, menos um só.

terça-feira, fevereiro 24, 2004

Skindô ou a morte da democracia

         Eu não agüento mais ouvir os deslumbrados (adequadamente pagos para isso, é bem verdade) dizerem que o carnaval da Bahia é democrático.
         O carnaval baiano não é democrático desde que o primeiro bloco estendeu uma corda separando seus foliões da massa ignara, estabelecendo uma hierarquia e roubando do povo sua invenção. E hoje, com a ditadura dos trios, esse mesmo povo é obrigado a pagar para pular -- ou então se espremer no espaço que resta, se tornando causa e efeito da violência.
         Aos poucos, o que resta do carnaval de rua do Rio -- justamente o que sempre foi considerado o mais elitista -- vai se tornando mais "democrático" que o baiano.
         E, para quem gosta dessa festa, sempre resta o carnaval de Olinda.

Confusão teológica

         Esta notícia (via Amorous Propensities, link ao lado) me deixou pensando se, afinal de contas, eu não estava errado quando escrevi, há algum tempo, que católicos são menos infensos às diatribes oficiais da religião que os fiéis de igrejas protestantes.
         Pensei muito. Acho que uns 30 segundos.
         E continuo achando que sim. Os católicos americanos, por menos que queiram, no fundo são protestantes. E talvez os católicos brasileiros, no fundo, sejam pagãos selvagens incapazes de alcançar a Salvação.

A arrogância da ignorância

         Ultimamente andei pensando em algumas coisas sobre a ignorância e a burrice, esses valores eternos e ubíquos.
         A burrice em si não incomoda, porque independe da vontade de cada um. Pode ser politicamente incorreto, mas não tenho nenhum problema em achar alguém um burro incorrigível. Isso não faz alguém melhor que os outros, nem a mim melhor que alguém que acho burro (por conseqüência, alguém que me ache burro tem que fazer o mesmo...). Eu mesmo faço parte desse contingente miserável em muitos aspectos -- muitos mais do que gostaria. Pelos mesmos motivos, admito prontamente que há excesso de ignorância no mundo.
         Mas como diz Humbert, o esteta pedófilo de Nabokov, tenho muito orgulho do pouco que sei para ser humilde pelo muito que não sei. E talvez seja por isso que o que chamo de "arrogância da ignorância" consiga me tirar do sério.
         É quando a ignorância se manifesta em todo o seu esplendor sulfúrico, quando se espalha como uma metástase. Ela tem orgulho do nada que é, e não admite contradição. É o pior da humanidade, é o que atrapalha o progresso, é o orgulho pelo prato de farinha que faz desprezar sem conhecer as porções harmoniosas da nouvelle cuisine.
         Setembro de 2002: conversando sobre a loucura que tinha se apropriado do mercado financeiro -- dólar nas alturas, risco Brasil lá em cima, inflação ameaçando estourar. A minha interlocutora era taxativa: isso é Lula, e quando aquele comunista se eleger vai ser pior.
         Tentei argumentar que aquilo era só um movimento especulativo, que era apenas o mercado aproveitando uma chance de ganhar um trocado, que não tinha nada a ver com medo do sapo barbudo -- ou melhor, que Lula era apenas o motivo encontrado, e que aquilo iria acabar assim que o resultado da eleição saísse, fosse qual fosse.
         Mas a ignorância, quando se assume em sua glória, basta em si própria e não dá ouvidos a nada. E então veio a carteirada: "Eu sou economista!".
         Pensei em lembrar que era uma economista burra, mas brigar para quê? Pelo menos a história me deu razão.
         São essas coisas que conseguem, às vezes, me tirar do sério. É alguém insistindo comigo que os Beatles gravaram "Asa Branca", que Lennon foi assassinado pela CIA, que ET's foram avistados e abduziram algum maluco, coisas desse tipo. As pessoas têm o direito de ser ignorantes; todos somos, em maior ou menor grau. Mas porque têm direito a ter anéis não quer dizer que possam tomar todo o braço: e a ignorância deve continuar calada, quieta, se o contrário implica em querer contradizer a verdade.
         Não reconheço direitos humanos para a ignorância. E não há sequer SUIPA para aquela ignorância que em seus recalques se revolta contra o que acha ser "demonstrações desnecessárias de sapiência". Primeiro porque é preciso admitir que deve haver um padrão para as coisas, e esse não é o da ignorância. Segundo porque ela geralmente está errada, e vê erudição onde há só um pouco de informação. Acontece que seus padrões são muito baixos para diferenciarem Rubem Fonseca de Kant. Esquecem como é fácil tomar equivocadamente informação por cultura. E em seu complexo de inferioridade se revoltam contra isso, porque lhes falta inteligência para distinguir as coisas.

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Felacity

No Panamá, mais exatamente na província de Chiriqui, há uma cidade chamada Boquete.

Dizem que os panamenhos de lá têm o péssimo hábito de falar de boca cheia.

Carnaval, duas da manhã

Duas da manhã e eu tenho que procurar um lugar para comer.

Na lanchonete onde me sento os balconistas estão assistindo ao desfile da Viradouro. Passo a conversar com um deles sobre as usinas de açúcar em Sergipe, sua importância como berço de cidades, e fico conhecendo um novo verbo: "pejar". É quando as usinas param sua produção, durante quase metade do ano.

E então aparece Dercy Gonçalves, de perna para cima.

Os outros balconistas se amontoam em frente à TV.

-- Olha a calçola dela! Ela tá arreganhada! Ah, velha safada!

Um deles comenta:

-- Mas mesmo velha, tem gente que ainda pega.

Imediatamente o outro acrescenta:

-- Ele tá dizendo que ele pega.

-- Pego mesmo! Se der mole na minha frente, eu pego mesmo!

A conversa continua. Quando me despeço, o valente me pede um cigarro.

-- Ei, amigo, me arranja um desses pr'eu torar mais tarde.

("Torar" é um verbo sergipano, provavelmente oriundo de estourar, que originalmente significava quebrar, mas que hoje serve para qualquer coisa. Pode ser comparado à gíria "detonar". Um psicanalista faria a festa com o que essa palavra conta sobre a psique masculina nordestina.)

Eu dou o cigarro; e junto dou um conselho.

-- Olha, cá para nós, é melhor torar a Dercy do que um cigarro.

E ele concorda, em meio a gargalhadas.

Bem vindo a Sergipe.

Observando os nativos

Já devia ter comentado antes, mas sempre é tempo.

Se alguém quer conhecer Aracaju sob a ótica de um carioca -- e o olhar de um estrangeiro é sempre mais acurado, como bem sabia Camus -- é só dar uma passada em Aracaju News.

É o blog de um carioca, o Leonardo, sobre a sua experiência em Aracaju, ainda recente e cheia de surpresas. E é muito interessante.

domingo, fevereiro 22, 2004

Ai, meu Deus, como é bom

Antes tarde do que nunca. Chamada da revista Enfoque de agosto do ano passado, destinada ao público evangélico:

Sexo e prazer no casamento
Pesquisa revela que casais evangélicos são liberais, adotam sexo oral e são motivados a buscar maior satisfação sexual no casamento


Ahn... Será que perguntar pelas bundinhas é perguntar demais?

Tripudiando em rubro-negro

A principal razão para eu gostar de futebol não é exatamente amor ao esporte.

É que o futebol e suas paixões exaltadas me permitem um dos mais gostosos esportes que conheço: debochar do perdedor.

Não basta vencer, tem que tripudiar.

Minha família é flamenguista. Há gerações torcemos pelo Flamengo, temos Zico tatuado em nossos corações. Mas uma irmã resolveu ser palmeirense. Não adianta lembrar a ela que não podemos nos rebaixar torcendo por um time cuja camisa tem cor de catarro, um time que covardemente mudou de nome durante a II Guerra, que ultimamente só pode se orgulhar de ter subido para a primeira divisão. Ela tomou essa decisão tresloucada, fazer o quê? A juventude tem o direito de cometer suas besteiras.

Resta me dedicar ao doce esporte de ser profundamente chato e irritante. Rir do Palmeiras como rio do Botafogo, do Vasco, do Fluminense. Rir como rio do desplante de torcedores do Sport quando insistem que foram campeões brasileiros porque o Flamengo se recusou a jogar com um time da segunda divisão em 1987. (Torcedores do Sport: não interessa o que vocês acham. O Vasco, o Fluminense e o Botafogo reconhecem o campeonato, e isso é o que importa.)

Tudo isso é chato? É, sim. É muito chato. Para muita gente é insuportável. Não ganho prêmios de popularidade por esse hábito deplorável.

Mas ultimamente esse esporte não anda compensando. A emoção que o Flamengo tem nos dado é a expectativa, as promessas e os despachos nas encruzilhadas para que consigamos sair da zona de rebaixamento. E, se me dedico a ser desagradável nas épocas de vacas gordas, ao menos admito que não há oportunidade melhor para me devolverem toda a encheção de saco na qual alegremente embarco sempre que o Flamengo ganha um jogo.

Posso ser chato, mas não sou injusto.

E posso ser justo, mas não sou burro: este post estava escrito há algum tempo, mas esperei o Flamengo voltar a ganhar um semi-título para publicá-lo.

Mais pesquisas

Pesquisa de uns malucos americanos (não, não são ingleses) afirma que pessoas com personalidade hostil ou agressiva nascem com tendência genética para fumar.

E eu que sempre pensei ser um doce de pessoa.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Poema muito do enjoadinho

Falando sério
eu não gosto
de poesia moderna
As pessoas parecem pensar
que basta dividir frases
ao meio
e esquecer a pontuação
para automaticamente
criar um poema.

Poesia é outra coisa.

Poesia não é divã
de analista
não é competição
de domínio do vernáculo
poesia não é
nada disso.

E certamente, meu amigo
poesia não é isto aqui
Isto é apenas prosa
formatada para tentar
mostrar o engodo
que é a maior parte
da poesia moderna.

Cordeiro vestido de lobo

Tem coisas que, contando, ninguém acredita.

Um rapaz bem, digamos, "moreno" foi parar em um evento neo-nazista no Arizona usando uma camiseta em que estava escrito "White Power".

E não era provocação. Ele falava sério. Ele realmente acredita na supremacia branca.

Foi gentilmente convidado a se retirar do lugar -- racistas podem ser gentis com os inferiores que lhes lambem as botas -- e teve seu dinheiro devolvido.

A mãe desse menino devia tê-lo enchido de porrada quando ele era criança. Porrada mesmo, daquelas que fazem vizinhos chamarem o juizado de menores. Assim talvez fosse poupada da vergonha de ver o nome de seu pai em tamanho imbecil.

Episódio de uma noite de verão

O sujeito se aproxima de mim com um sorriso.

-- Eu podia pedir uma ajuda ao senhor? É que eu preciso de dinheiro para voltar para casa, meus filhos estão com fome...

Me mostra um papel que não olho. Enquanto abro a carteira para lhe dar 1 real, ele pede:

-- Pedir não é vergonha, né? Por favor, não fique com raiva.

-- Se eu ficasse com raiva não te dava o dinheiro.

Enquanto me afasto ele me faz uma sugestão bem intencionada:

-- Por que o senhor não pára de fumar? Fumar faz mal.

E então, por breves instantes, eu penso em tomar o real que lhe dei.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Afundando o Titanic

Eu assisti a "Titanic". Duas vezes. Nas duas, fui para fazer companhia; saí do cinema impressionado com o artesanato brilhante do filme e com o clichê que era o seu roteiro, e fazendo comparações injustas com "Encouraçado Potemkim".

Mas da segunda vez, de saco cheio por estar ali, precisei recorrer a pequenos estratagemas para suportar as quase 3 horas de filme.

Perto do final há uma cena melosa -- mais que a média -- em que uma mãe coloca seus filhos para dormir sabendo que é a última vez. Corta para o navio praticamente na vertical, com as pessoas despencando e se estabocando nas ferragens navio abaixo.

Fiz minha própria sonoplastia: "Ai! Ui! Ai, aí não! Plaft! Ploft!"

Do meu lado uma menina de seus 11 anos, em prantos, me olhava com todo o ódio de que uma criança é capaz.

Acho que naqueles poucos segundos destruí naquela menina quaisquer vestígios de fé no gênero humano.

Ah, que saudades da universidade

De Giovanna Bartucci (psicanalista e ensaísta, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae; é assim que ela assina), analisando o cinema de Almodóvar em um ensaio publicado na D.O. Leitura chamado "Almodóvar ou o desejo como universo":

O "fato fílmico" nasce, então, do filme feito, definido como um discurso significante localizável. Em outras palavras, o fato fílmico abrange a construção das imagens, a condução expressiva do relato, o desempenho dos atores, ou seja, tudo aquilo que confere ao texto que daí resulta o estatuto de discurso.

Acho que ela quis dizer o seguinte: um filme é um filme.

Mas o melhor mesmo são algumas das outras partes do ensaio:

Talvez devamos, de, fato, levar em consideração que ainda que a fixação da pulsão parcial no circuito primário de satisfação esteja presente tanto na neurose, quanto na perversão, as pulsões parciais (libidinais) designam uma geografia dos prazeres erógenos do corpo.

Tudo isso para falar de "Ata-me". E se você não entendeu nada, por favor, sente-se aqui ao meu lado.

Por essas e outras, estou à beira de um ataque de nervos e prestes a me tornar um ludita vernacular.

Pensando na tal revolução

Howard Dean retirou sua candidatura ontem. É o fim da corrida para ele, o que indica que o candidato democrata quase certamente será John Kerry. Segundo todos os indícios, Kerry é uma espécie de Bush recauchutado. Mas é impossível que consiga ser pior que Bush. O que preocupa, agora, é que segundo algumas análises é mais fácil para Bush derrotar Kerry do que um outsider como Dean.

Recapitulando: Howard Dean é o pré-candidato a presidente democrata que utilizou de forma intensiva a internet como uma de suas principais ferramentas de campanha. Se tornou, em pouco tempo, "o candidato dos blogs". Mas seu desempenho nas primárias foi pífio, e o resultado é o anúncio de hoje.

Esse "fracasso" de Dean fez algumas pessoas apontarem "o estouro de uma nova bolha da internet": o uso de blogs em campanhas eleitorais é um fracasso.

Enterrar a importância de ferramentas da internet como weblogs em campanhas eleitorais por causa do fracasso de Dean é apressado demais. Pelo que pude entender, a internet teve muito a ver com seu crescimento e pouco com sua queda. Os erros de Dean foram políticos; talvez o mais importante deles tenha sido perder o timing, não ter percebido a hora de passar da crítica destrutiva a Bush para a formulação de propostas consistentes. E não se pode esquecer que, por ser a mais visível e a mais radical, foi a candidatura que mais apanhou da TV e dos jornais. Em relação à internet talvez tenha havido o mesmo erro que já vi outras pessoas cometerem em mídias tradicionais: o insularismo, a tendência a acreditar no próprio otimismo. Mas mesmo esse erro parece ter sido mais do movimento que da coordenação do candidato. Finalmente, outro erro típico: Dean se expôs demais, cedo demais.

O fato é que algo novo começou, e Dean foi um dos principais catalizadores da novidade. Se vai adiante, ou não, talvez ainda seja cedo para dizer. Mas Lênin podia ter certeza absoluta do que aconteceria assim que ele pisasse na Estação Finlândia? Fidel tampouco sabia se ia descer a Sierra Maestra nos braços do povo ou em um caixão.

Pela primeira vez desde o surgimento da televisão, uma revolução em comunicações está acontecendo. A internet é um meio novo e de comportamento ainda imprevisível, mas é impossível negar sua importância. Ela pode ser mensurada, quando menos, pelas dezenas de milhões de dólares que a candidatura de Dean amealhou de pequenos doadores, boa parte através da Internet. Independente e retirar sua candidatura hoje, Dean mobilizou as bases democratas como nenhum outro candidato conseguiu nas últimas décadas. Isso só aconteceu graças à internet, à sua capacidade de criar e manter comunidades ativas.

E, embora seja cedo demais, já se pode avaliar algumas dessas transformações.

A primeira delas é que o uso de internet em campanhas implica uma mudança do que os universitários chamam de paradigma. Pode-se contruir não apenas uma campanha tradicional, mas um verdadeiro movimento. No caso dos Estados Unidos, pode dar a partidos tradicionais um movimento de bases que só se encontra nos partidos de esquerda, como o PT e o PCoB brasileiros.

Isso cria um novo problema, no entanto. A internet força uma descentralização em campanhas jamais vista. Ainda não dá para entender totalmente esse novo panorama -- é muito cedo -- mas as mudanças serão definitivas. Uma campanha eleitoral, por definição, precisa ser centralizada e ter uma estratégia definida. É o que evita que um idiota descontente cause algum dano ao externar suas opiniões, como Dave Winer fez com Dean logo após a primária de Iowa. Essa descentralização forçada, ainda que relativa e passível de ser minimamente controlada, modifica totalmente o modo de comandar uma campanha, e exige que se adote uma nova atitude relativa à forma como ela caminha. É um problema grande para quem tem que administrar uma campanha.

Mas Marx dizia que um problema só surge quando já existe a solução.

Para esse tipo de campanha funcionar, é preciso que se esteja preparado para um fluxo de informações que não se pode controlar totalmente. E isso é um grande avanço; no que diz respeito ao marketing político, é uma revolução. Ao mesmo tempo, o poder multiplicador da internet entre formadores de opinião é algo que não se consegue com simples programas e comerciais de TV. Será mais fácil transformar eleitores em agentes, envolvê-los na campanha -- em suma, construir um movimento horizontal, e não vertical.

Esse é um bom começo.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Constatação

Cheguei à conclusão de que, já que vou passar mais tempo que o normal em Aracaju, preciso arranjar uma namorada com carro. Alguém tem que me levar aos lugares aonde preciso ir.

Alguém conhece alguma sergipana gostosinha, bonitinha, com carro, disponibilidade absoluta de tempo, disposição para ficar esperando horas e horas e que não conheça o meu passado?

Roda mundo

Sabe quando você está ficando velho?

É quando as coisas que lhe circundavam na infância desaparecem sem deixar vestígio.

Antigamente os barbeiros ofereciam graciosamente a seus clientes a possibilidade de leitura de revistas Manchete, com seus lampejos fotográficos de um mundo que ficava cada vez menor e mais familiar.

Morreu a Manchete e morreram os barbeiros.

E as Caras que se lêem nos cabeleireiros mostram outro mundo e outros interesses, menores, mais mundanos, mais fúteis.