Rafael Galvão

Um pouco de nada, e nada de muito importante.

sábado, fevereiro 28, 2004

A literatura moderna

         O Bia acha que as regras do Elmore Leonard para literatura são válidas para a literatura moderna.
         Aí é que tá, Bia. Acho que a graça -- e a ruína -- da literatura moderna é o fato de ela praticamente não ter regras que desçam a esse ponto de minúcia. É curioso imaginar que Joyce, Mann, Proust e Hemingway (embora eu ache este último uma fraude) fazem "literatura moderna", e não há nada em comum entre eles.
         Mas a lista de Leonard é praticamente um manual de estilo. O que ele preconiza é típico da cultura americana com seus "cursos de criação literária", em que há um modelo razoavelmente rígido para que se escreva a great american novel. Diz respeito a um tipo de técnica narrativa específica, aquela americana derivada de Hemingway e às vezes com raízes remotas na Bíblia do Rei James via Faulkner, e hoje em dia menor na minha não tão humilde opinião. Faz muito tempo que não vejo nada de realmente brilhante na literatura americana -- o que inclui derivados do noir como Leonard, e também, citando aleatoriamente, William Kennedy, Malamud e todos os outros.
         Acho que a literatura americana, no conjunto, é a mais importante do século passado: muito bons escritores em um curto período de tempo e em um espaço bem delimitado. Mas isso se deve a um período específico, entre os anos 20 -- com Fitzgerald e Hemingway, por exemplo -- e os 50, com a última grande explosão criativa, a literatura beat. Era uma literatura forte, pulsante, o melhor retrato de um país que explodia em força econômica e criativa, com a absorção de levas gigantescas de imigrantes.
         Mas ela definhou faz tempo, e hoje vive da repetição de clichês e de pequenos não-eventos de marketing. Pode ser ignorância minha, mas não conheço nenhum grande romance americano que tenha sido lançado nos últimos 20 anos. Muitos bons livros, claro, mas nada que você coloque na estante com a sensação de que acabou de ler um par de Proust ou Joyce.
         A lista de Leonard, no final das contas, estabelece as regras da mediocridade (entendida como mediana, ou comum). Se Joyce seguisse as regras de sua época não escreveria "Ulysses". Proust não teria escrito "No Caminho de Swann". Porque todo mundo estaria escrevendo igual a algum modelo que, àquele momento, tentava sacudir o mofo de cima de suas regras recém-criadas.

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