Rafael Galvão

Um pouco de nada, e nada de muito importante.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

A 8 mil pés acima do nível do mar

         Normalmente eu entro no avião, sento na minha poltrona e esqueço do mundo. Se tem alguma coisa para ler, eu leio. Se estou sentado à janela, olho para fora. Raramente abro o computador. Raramente durmo. Raramente converso com alguém. Não tenho muito interesse e, quando meu companheiro de viagem tem, não demora muito para que sua polidez seja desestimulada pelos meus monossílabos.
         Mas ainda lembro da senhora que voltou de Aracaju comigo, para o Rio.
         Era sua primeira viagem de avião. Não sabia como apertar o cinto de segurança, não sabia como chamar a aeromoça, não sabia nada. Eu a ajudei com o cinto e a ensinei a reclinar a poltrona. E talvez por isso, e pelo nervosismo, ela tenha resolvido que eu seria seu confidente durante aquelas próximas horas.
         Ela era de Brejão, um povoado de um interior remoto chamado Brejo Santo ou Brejo Grande, não lembro. Tinha morado cerca de 20 anos no Rio, onde deixara uma filha.
         Ela estava maravilhada, porque nunca tinha viajado de avião porque achava que era caro demais. Agora que ela sabia que o preço era acessível, só iria viajar de avião. Contou toda a história de sua vida; naquela época ela, além da pensão do INSS, descolava um troco comprando terrenos e vendendo um pouco mais caro.
         Era uma mulher interessantíssima, pela vitalidade e pela simplicidade -- não aquela simplicidade acanhada, mas uma mulher que estabeleceu um pacto com a vida: ela sabia exatamente como é o mundo, mas não deixava que isso lhe incomodasse.
         Ela me contou até o motivo de sua viagem: ia fazer uma operação de hemorróidas. Não sei em que isso poderia me interessar, mas tive que me controlar para não rir. Não era difícil, na verdade.
         Aproveitei para iniciar aquela senhora nos meandros da contravenção. Ela ficou tão encantada com o lanche a bordo -- é preciso ser um neófito para se encantar com a comida vagabunda que as empresas aéreas servem hoje em dia -- que queria levar tudo, talheres e pratinhos, para casa.
         Não seria eu a contar a ela que isso não se faz.

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