Rafael Galvão

Um pouco de nada, e nada de muito importante.

sábado, março 06, 2004

A balela do diploma dos jornalistas

Quando escrevia em jornal, aí pelos 17 anos, eu obviamente não era formado. Só escrevia porque qualquer cão sem dono pode escrever uma coluna. E diagramar (au, au, Tata...). E fotografar. Se eu fazia outras coisas não documentadas é porque aquele povo era contraventor. Não era culpa minha. Os safados eram eles.

Na época, eu era absolutamente contrário à exigência do diploma. Não era a posição do sindicato, claro, nem da maioria dos jornalistas. O único jornal que se pronunciava abertamente contra isso era a Folha de S. Paulo, que inclusive comprou briga ao empregar jornalistas que não eram formados (um deles era o Alon Feuerwerker, acho).

Ultimamente o assunto voltou à tona. Essa é a posição do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que encontrei no Just Think:

"Ao declarar uma notícia, se mal formulada ou equivocada, o jornalista pode gerar grave comoção social ou danos de severa monta. Não estamos diante de uma atividade vulgar, que prescinde de conhecimentos técnicos. Banalizar a questionada profissão a ponto de considerar que não merece regulamentação específica é desmerecer a realidade comum dos fatos."


Certo.

Mas afinal quem ele pretende enganar? Os argumentos são falhos.

Para começar, a lei de regulamentação da profissão é um absurdo que só existe no Brasil, empurrada em 1967 (se não me engano) como medida de controle dos jornalistas por parte da ditadura. No resto do mundo, pessoas formadas em história ou em outras áreas podem ser jornalistas. E eu, pessoalmente, acho que é mais importante para um repórter conhecer história e poder analisar os fatos que conta a saber detalhes de diagramação. (E é mais importante para um diagramador ter noções artísticas e gráficas sólidas a saber como se escreve um texto à la Folha de S. Paulo.)

Na verdade, a linha de argumento de Fonteles tenta se respaldar no aspecto social do diploma. Que não é um prêmio ao estudante, e sim uma defesa da sociedade. Diplomas servem para que saibamos que determinado profissional aprendeu o mínimo necessário e não vai nos ferrar. Ou seja, que um médico não vai fazer uma incisão no peito para operar uma apendicite, ou que a casa contruída pelo engenheiro não vai desabar. (A realidade é um pouco diferente, mas aí já são outros quinhentos.)

Acontece que aplicar esse princípio a jornalistas implica atribuir-lhes uma autonomia que não têm e nunca vão ter. A autonomia é do dono do jornal (Assis Chateaubriand para um jornalista: "O senhor quer ter opinião? Monte o seu jornal"), e depois, em muito menor grau, do editor (cuja posição política é sempre a do dono, ou então ele perde o emprego). Curiosamente, eu não preciso de diploma para montar um jornal. Preciso é de dinheiro.

Finalmente, egressos da "academia" podem cometer o mesmo tipo de cagada que um jornalista não-formado. Aliás, é lógico supor que ultimamente só formados cometem cagadas. Procure, por exemplo, os diplomas dos responsáveis pelo escândalo da Escola Base, de uns 10 ou 15 anos atrás. Você vai encontrar. Ou -- no que eu considero um mal pior à sociedade -- os diplomas dos sacanas que ficam nos empanturrando com notícias sobre a Luma.

E quer dizer então que profissões que não exigem diploma são "banais", hein? Suprema humilhação: publicidade não exige. Não vamos mais conseguir dormir à noite depois dessa constatação: somos banais. Nem o consolo de sabermos que elegemos presidentes nos restituirá o sono. Duda Mendonça não é formado em publicidade. Aliás, Duda não é formado em nada. É banal. Pobre Duda.

Há 15 anos, quando o assunto me interessava, eu sempre discutia esse assunto com uma amiga jornalista e sindicalista. Entre outras coisas, ela dizia que a exigência do diploma era uma arma da "categoria" para garantir melhores salários. Outro argumento bobo: não consta que salários-base de jornalistas sejam exatamente altos. Salários de publicitários banais, em compensação, são. E não é preciso diploma para o exercício da profissão: basta ter talento. Banal, mas talento.

Segundo a ótica dos sindicalistas, o diploma funcionava como uma espécie de reserva de mercado. Mas hoje em dia, nem isso: as faculdades de jornalismo despejam no mercado, a cada ano, mais gente do que há empregada em redações. É natural que as únicas pessoas que procurem uma redação, hoje, sejam jovens que estão saindo das faculdades de jornalismo. Não foi a exigência de diploma que levou a isso, foram as leis de mercado. A defesa que o diploma oferecia acabou, porque hoje há mais recém-formados querendo uma vaga do que desocupados querendo uma boquinha há 40 anos.

Acho, inclusive, que a lei prejudicou o jornalismo durante muitos anos. Se antigamente gente com talento e com formação sólida em outras áreas podia acabar indo parar nas redações, melhorando o nível geral de conhecimento, a lei eliminou essa possibilidade. A escolha, hoje, tem que ser feita cedo demais. E a verdade é que muita gente com vocação para jornalista não tem o talento necessário, como em qualquer outra área. Agora isso diminuiu, mas durante muitos anos o nível caiu assustadoramente, e essas restrições foram um dos motivos.

Manter essa lei é um absurdo anacrônico e, hoje, inútil. Mas o Fonteles, que precisa desesperadamente das boas graças da imprensa, continua insistindo. Fazer o quê?

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